domingo, 15 de junho de 2008

Duas versões de uma mesma história.



Do lado de dentro.



Acordar cedo, banho, café, torradas, escova os dentes. Estudar e não cantar hinos evangélicos: isso soa como um ótimo planos. E antes fosse.Livro, páginas, cálculos, fórmulas, fórmulas...Exatas só com música. Ajuda a concentrar. Pego o Cd de Nina Simone que ele fez para mim. Dia frio, Cd certo. Telefone por perto, assim não tenho que levantar, caso ele toque. Ah, quem disse que telefones tocam dia de domingo pela manhã? Praia, igreja, cama: qualquer coisa que sossegue, qualquer coisa desligada. Telefone toca, depois de ter falado com ele.
"Oi, vó." ( ligando numa hora dessas?)
"Seu pai..."
"Não está"
"Diz a ele que..."
"Aviso."

Será que é urgente? Vai saber. Faz tempos que ele tá assim.
Depois liga minha tia. Nem irmã de meu pai é. É casado com meu tio Pio, irmão de fato.
"Seu pai...?"
"Não..."
"Avisa pra ele..."
"Certo. Pode deixar."

Um mais um dois?

Tio Jorge liga:
"Seu avô..."
Não, meu tio não procurava meu pai.
Procurava uma mensageira.
Serviço de outro mundo.

Tia Alda liga avisando lugar e horário.
Já não quero atender o telefone: coloco-o longe de mim, debaixo da terra também.
Pego o relógio e já não conto minutos.
Conto piscadelas, expira, inspira, que horas eles chegam, agonia, que nervoso,
vou comer, ouvir música, estudo mais nenhum.

Som do portão se abrindo.
Barulhinho dos infernos.

Grade. Cadeado.
"Pai: minha tia Ana ligou, tia Alda, tio Jorge e vó. Todos disseram que meu avô não está bem."

"Foi? Deve ter sido porque não queriam dizer que seu avô morreu,não?"

"Dizer eles disseram , pai. Eu que não quis falar o mesmo."

Meu pai sobe as escadas para se arrumar.
Eu já estou bagunçada, desorganização total.
Meu pai vai para o enterro de meu avô que morreu.
Meu pai deveria ir por enterro do pai dele.
Queria que meu avô e o pai de meu pai fossem a mesma pessoa.
E são.

Nessas horas, acho que não.






Um comentário:

Fred Fagundes disse...

Lindo o texto. Como eu imaginei que seria.
Beijo let